O Aldeão e os Burros

Investir em Bolsa é, também, um território desconhecido. A pequena história a seguir, que circula pela internet em emails e blogs, é um dos equivalentes modernos dos monstros desenhados nos mapas antigos. Monstros nos mapas e histórias como essa são a personificação do imaginário coletivo.

A história se enquadra, então, no primeiro grupo – relatos e convicções não verdadeiros (não estou dizendo que não há risco na Bolsa). Há vários títulos e versões. Segue uma delas.

O Aldeão e os Burros

Uma vez, num pequeno e distante vilarejo, apareceu um homem anunciando que compraria burros por R$10,00 cada. Como havia muitos burros na região,os aldeões iniciaram a caçada. O homem comprou centenas de burros a R$10,00, e como os aldeões diminuíram o esforço na caça, o homem anunciou que pagaria R$20,00 por cada burro.

Os aldeões foram novamente à caça, mas logo os burros foram escasseando e os aldeões desistiram da busca. A oferta aumentou então para R$25,00 e a quantidade de burros ficou tão pequena que já não havia mais interesse em caçá-los. O homem então anunciou que compraria cada burro por R$50,00! Como iria à cidade grande, deixaria seu assistente cuidando da compra dos burros.

Na ausência do homem, seu assistente propôs aos aldeões:
– Sabem os burros que o homem comprou de vocês? Eu posso vendê-los a vocês a R$35,00 cada. Quando o homem voltar da cidade, vocês vendem a ele pelos R$50,00 que ele oferece, e ganham uma boa bolada.

Os aldeões pegaram suas economias e compraram todos os burros do assistente. Os dias se passaram, e eles nunca mais viram nem o homem,nem o seu assistente, somente burros por todos os lados.

Entendeu agora como funciona o mercado de ações?

Vamos então analisar alguns pontos.

1. A comparação do mercado de ações com um golpe – sim, o caso relatado é de um golpe. Há dezenas de golpes, de cheques, cartões, presentes, bilhetes premiados. Ninguém põe a culpa no Loteria quando aplicam um golpe do tipo bilhete premiado. Nem culpam a companhia telefônica quando há um falso sequestro.

2. Todo o golpe precisa de um gancho para funcionar. No caso acima, como em muitos outros, a ganância da vítima é utilizada para fisgá-la. A ganância é uma armadilha real, que pode ser controlada, mas fica à espreita esperando que o medo se dissipe em favor de uma autoconfiança exagerada. No mercado de ações ela se manifesta através da busca de grandes ganhos em pouco tempo, de uma “grande tacada”.

3. Há, ainda, uma suposição que o entrante no mercado de ações é um alvo fácil – é a lógica dos lobos e cordeiros, sendo que o entrante deve ser cordeiro. Em resumo, há uma lógica de que existe um jogo e você deve jogá-lo. Na terceira parte do livro faremos uma comparação Investidor versus Trader. O investidor real não deveria cair nesse golpe. Só cai no golpe quem compra para revender logo depois, e isto é o que o Trader faz. É muito comum a mistura entre os perfis.

4. A história supõe que há um jogo e que você deve jogá-lo. O investidor não entra em jogo nenhum. Ele compraria os burros poque acha que poderia alugá-los e obter uma renda, o porque o mercado de carruagens poderá aumentar e o valor do animal poderá subir, ou pela crença que o trabalho que pode ser realizado com ele têm uma valor intrínseco que não se reflete no preço. Já o Trader entra no jogo, mas o faz de maneira consciente.

A boa notícia é: mesmo que haja um jogo, você não precisa jogá-lo. Só participa quem quiser. O leitor pode entrar na Bolsa e manter-se afastado, navegando em águas mais seguras. A má notícia é que o canto da sereia é enebriante. Não existe, mas muitos o ouvem.

5. Só cai no golpe do aldeão quem compra algo sem pensar no valor, quem quer ganhar muito dinheiro rápido, e quem tenta ser mais esperto que os outros. Seguir apenas uma dessas linhas é perigoso. Juntar todas ao mesmo tempo é fatal.

6. Nunca se deve comprar algo sem ter a noção do real valor, e sem pensar em como vender, ou sair da operação em caso de falha. O Trader entra na operação, mas antes verifica se há como sair caso dê errado. É o chamado Stop Loss, que depende muito da liquidez. Neste caso, os burros não têm liquidez, e ela está concentrada em um comprador.

7. Nesse caso, só há um comprador. A Bolsa é muito diferente disso. Colocar todas as suas economias em algo que é um monopólio é muito arriscado. E se o aldeão desistir da compra?

8. Ingenuidade no caso é gritante – mas ela ocorre de verdade. Ninguém se perguntou por que o aldeão não pega ele mesmo os burros? Na prática, funciona assim. No início há alguns crédulos e muitos incrédulos. Depois da primeira rodada, em que os primeiros crédulos ganham dinheiro, alguns incrédulos são convertidos. Novamente os crédulos ganham dinheiro e os incrédulos vão sendo convertidos. Essa é a fase de investimento do golpista, ele põe dinheiro no processo. Uma vez que se forma um bom número de crédulos – pois as pessoas não resistem ver os vizinhos ganharem dinheiro sem entrarem nessa –  o golpe é aplicado, e o dinheiro investido pelo golpista é recuperado, junto com as economias dos crédulos – todos eles.

Nesse ponto há, sim, uma semelhança com a Bolsa: as pessoas são trazidas para a Bolsa pelo contágio dos vizinhos, amigos, colegas de trabalho. Têm medo da Bolsa na baixa e acabam sendo atraídos na alta. Ninguém pagava nada pelos burros, depois vão loucos atrás deles.

9. Ainda como ingenuidade, deve-se desconfiar de todo o dinheiro aparentemente fácil demais. Não há dinheiro fácil, não há almoço grátis. No mercado financeiro, quando o dinheiro parece fácil, é porque há risco na operação.

Gostaria de discutir mais sobre essa história, mas ela está aqui para ilustrar essa atmosfera que paira sobre o tema Bolsa. Mitos e histórias como essa circulam. Muitas têm origem em pessoas que tentaram ser lobos no meio de outros lobos – um atalho para se transformar em cordeiro – e hoje falam da Bolsa como se conhecessem tudo, como se alguns meses de operações na Bolsa pudessem dar uma visão completa.

Histórias como essa acabam afastando as pessoas e evitando com que elas conheçam a real essência da Bolsa: um espaço democrático para que qualquer um possa se tornar sócio das maiores empresas do país. O mercado de ações não é algo que você tem de entrar, mas é algo que você tem de conhecer para decidir, por conta própria e racionalmente, se quer entrar. Acho que o leitor poderá fazê-lo, e para isso precisa remover os mitos e avaliar os fatos.

Na próxima seção vou mostrar porque não acredito nessa história de lobos e cordeiros, ou de pequenos sendo manipulados pelos grandes. Ninguém o obriga a fazer nada. Você está no comando!

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